A hora da estrela

Tudo no mundo começou com um sim.

A hora da estrela

Uma molécula disse sim a outra molécula e nasceu a vida. Mas antes da pré-história havia a pré-história da pré-história e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. Não sei o quê, mas sei que o universo jamais começou.

A hora da estrela

O pré-pensamento é o pré-instante

Um sopro de vida

O pré-pensamento
é o pré-instante.

Um sopro de vida

Ver um ovo nunca se mantém no presente: mal vejo um ovo e já se torna ter visto um ovo há três milênios.

“O ovo e a galinha”, em A legião estrangeira

Como começar do início, se as coisas acontecem antes de acontecer?

A hora da estrela

Estudei matemática que é a loucura do raciocínio – mas agora quero o plasma – quero me alimentar diretamente da placenta.

Água viva

“Um pintinho”, em A descoberta do mundo

O que se cria não se mata.

“Um pintinho”, em A descoberta do mundo

Para que o ovo atravesse os tempos a galinha existe. Mãe é para isso.

“O ovo e a galinha”, em A legião estrangeira

Eu não queria que meus filhos sentissem a mãe-escritora, mulher ocupada, sem tempo para eles. [...] Eu sentava num sofá, com a máquina de escrever nas pernas, e escrevia. Eles, pequenos, podiam me interromper a qualquer momento. E como interrompiam.

Entrevista ao jornal O Globo,  29.04.1976

Carta às irmãs Elisa Lispector e Tania Kaufmann, Berna, 11.09.1948

Sou filha e sou mãe. E tenho em mim o vírus de cruel violência e dulcíssimo amor.

Um sopro de vida

Reproduzir vídeo

O fato de escrever
não me faz perder
um pouco de vaidade,
não sou homem.

Carta a Murilo Rubião, Rio de Janeiro, 9.1.1974

Ele voltaria. Ele voltaria. Olhou em torno de si a manhã perfeita, respirando profundamente e sentindo, quase com orgulho, o coração bater cadenciado e cheio de vida. Um morno raio de sol envolveu-a. Riu. Ele voltaria, porque ela era a mais forte.

“Triunfo”, em Todos os contos

Capa da revista Pan, de 25 de maio de 1940, que traz em três páginas o conto “Triunfo”, primeira colaboração de Clarice na imprensa

Eu o vi de repente e era um homem tão extraordinariamente bonito e viril que senti uma alegria de criação. Não é que eu o quisesse para mim assim como não quero para mim o menino que vi com cabelos de arcanjo atrás da bola. Eu queria somente olhar. O homem olhou um instante para mim e sorriu calmo: ele sabia quanto era belo e sei que sabia que eu não o queria para mim. Sorriu porque não sentiu ameaça alguma. É que os seres excepcionais em qualquer sentido estão sujeitos a mais perigos do que o comum das pessoas.

Água viva

Clarice com o marido Maury Gurgel Valente

“Amor”, em Laços de família

Amor é a desilusão do que se pensava que era amor.

“Amor”, em Laços de família

O inferno pelo qual eu passara – como te dizer? – fora o inferno que vem do amor. Ah, as pessoas põem a ideia de pecado em sexo. Mas como é inocente e infantil esse pecado. O inferno mesmo é o do amor. Amor é a experiência de um perigo de pecado maior – é a experiência da lama e da degradação e da alegria pior. Sexo é o susto de uma criança.

A paixão segundo G.H.

Lembrei-me de ti, quando beijara teu rosto de homem, devagar, devagar beijara, e quando chegara o momento de beijar teus olhos – lembrei-me de que então eu havia sentido o sal na minha boca, e que o sal de lágrimas nos teus olhos era o meu amor por ti. Mas, o que mais me havia ligado em susto de amor, fora, no fundo do fundo do sal, tua substância insossa e inocente e infantil: ao meu beijo tua vida mais profundamente insípida me era dada, e beijar teu rosto era insosso e ocupado trabalho paciente de amor, era mulher tecendo um homem, assim como me havias tecido, neutro artesanato de vida.

A paixão segundo G.H.

Há os que se voluntariam para o amor, pensando que o amor enriquecerá a vida pessoal. É o contrário: amor é finalmente a pobreza. Amor é não ter.

“O ovo e a galinha”, em A legião estrangeira

Por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina, mas é duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e enérgico, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista.

Platão, em O banquete (tradução de José Cavalcante de Souza):

Reproduzir vídeo

Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama.

Água viva

Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama.

Água viva

Quando eu era pequena, era muito reivindicadora de direitos da pessoa. Então, me diziam: ela vai ser advogada. Então isso me ficou na cabeça. E como não tinha orientação de espécie nenhuma sobre o que estudar, eu fui estudar advocacia.

“Depoimentos para a posteridade”, em entrevista concedida ao Museu da Imagem e do Som, 20.10.1976

Desde que me conheço o fato social teve em mim importância maior que qualquer outro: em Recife os mocambos foram a primeira verdade para mim. Muito antes de sentir “arte”, senti a beleza profunda da luta.

“Literatura e justiça”, em Todas as crônicas

Silviano Santiago, em “A política em Clarice Lispector”:

Se a Clarice ativista é pessimista e apocalíptica, já o seu texto é otimista e utópico. “Tudo é passível de aperfeiçoamento…”, lê-se no conto “Amor”. Apenas aparentemente é que o texto de Clarice é antipolítico. Ele é altamente politizado na medida em que, como na filosofia de Ernst Bloch, opõe à imanência histórica a salvação.

Reproduzir vídeo

Yudith Rosenbaum, em “A ética na literatura: leitura de ‘Mineirinho’, de Clarice Lispector”:

Em entrevista ao jornalista Julio Lerner, no ano de sua morte, 1977, Lispector comenta o texto sobre Mineirinho, um dos que mais gostava. E acrescenta seu repúdio ao excesso de violência policial que envolveu o caso: "Uma bala bastava. O resto era vontade de matar". Talvez se possa dizer que é esse resto que move sua escrita, isso que excede a ordem da necessidade estrita e transborda os diques que nos contêm.